Estudo do FGV Ibre e relatório do governo apontam a necessidade de que o programa seja reavaliado para cumprir seus objetivos.
São Paulo – Apesar de o Microempreendedor Individual (MEI) ter sido pensado para ampliar a formalização e a inclusão previdenciária de trabalhadores de menor renda, menos da metade (43,6%) de seus participantes têm renda do trabalho de até dois salários mínimos, enquanto 56,4% ganham acima disso, mostra estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre).
A pesquisa, feita a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua no terceiro trimestre de 2022, e também um relatório do governo, apontam a necessidade de que o programa seja reavaliado para cumprir seus objetivos,
O MEI é uma modalidade do regime tributário do Simples Nacional que isenta de custos de registro e escrituração fiscal e reduz a carga tributária e a contribuição previdenciária de microempreendedores com receita bruta anual de até R$ 81 mil e com até um empregado, desde que não possuam participação em outra empresa como sócio ou titular.
Essa alternativa foi desenhada com três objetivos principais: impulsionar a formalização do microempreendedor, ajudar a incluir autônomos com baixa capacidade contributiva na Previdência Social e aumentar a inclusão social.
Ao longo da pandemia, a modalidade acelerou a uma média de 1,7 milhão de novos inscritos por ano, de 2019 a 2022, atingindo 14,8 milhões de inscritos no ano passado.
Originalmente, o limite de receita anual bruta para a elegibilidade era de R$ 36 mil anuais, valor elevado a R$ 60 mil em 2012 e a R$ 81 mil em 2018. No Congresso, há uma proposta em tramitação que amplia para R$ 144,9 mil o teto de faturamento e permite a contratação de dois funcionários, ao invés de um.
“Os problemas de focalização podem ser, ao menos em parte, resultantes da ampliação excessiva do teto de faturamento anual. O valor quase simbólico das alíquotas exigiria que se mantivesse o foco em uma população mais vulnerável, com menor rendimento do trabalho”, apontou um relatório de novembro do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, ainda sob o governo Bolsonaro.
Menos da metade tem renda de até dois salários, aponta levantamento Além do recorte por renda, os pesquisadores do Ibre observaram que 60,2% dos MEI (trabalhadores por conta própria, com CNPJ e contribuição social) eram homens, sobretudo com idades entre 30 e 39 anos (29,8%).
Desses, 43,4% tinham o ensino médio completo e 31,3% tinham ensino superior – apenas 13,4% tinham no máximo o ensino fundamental incompleto.
“Não defendemos acabar com o MEI e dizer que está tudo errado, mas melhorar e tornar mais eficiente, afinar uma política pública que deveria ter esse objetivo de inclusão”, afirma um dos autores do estudo, o pesquisador do FGV Ibre Fernando Veloso.
A menor adesão de pessoas de baixa de renda pode ser explicada, segundo os pesquisadores, pelo peso que a contribuição mensal, apesar de pequena, tem sobre o orçamento da família.
“Uma hipótese do que pode estar atraindo o trabalhador de renda mais alta é poder pagar impostos de forma simplificada e mais barata, do que pagaria se estivesse empregado. A empresa paga a contribuição acima do salário cheio e o trabalhador só vai receber o teto previdenciário. A pejotização é uma decisão que geralmente parte da empresa”, avalia Veloso.
Criado em 2008, o MEI também dá acesso a um registro formal de CNPJ, que dá acesso a benefícios e modalidades de crédito voltadas para empresas.
Um levantamento amostral do Sebrae feito em 2019, antes da pandemia, e que apontava que apenas 32% dos MEI em atividade eram informais antes da entrada na modalidade e cerca de dois terços já atuavam como formais de alguma forma antes do registro.
Em fevereiro, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que o governo pretende reavaliar as regras do MEI para facilitar contratações com carteira assinada e evitar fraudes.
“A ministra [do Planejamento] Simone Tebet sinalizou claramente que quer avaliar os programas do governo, e a Fazenda manifestou interesse em tributar renda e aumentar receita. Ninguém é contra a inclusão do trabalhador de baixa renda ou quer pagar mais impostos. Mas se o desejo do governo é focalizar, ele deveria fazer alguma coisa”, diz Veloso.
Sustentabilidade de futuras aposentadorias preocupa pesquisadores O subsídio previdenciário é outro fator que desperta preocupação. Os pesquisadores lembram que a contribuição previdenciária corresponde a 5% do salário mínimo e garante ao inscrito um benefício no futuro de um salário mínimo. Até 2011, esse percentual era de 11%.
Segundo o estudo do Ibre, a participação dos contribuintes do MEI na Previdência aumentou de 0,02% em 2009 para 9,28% em 2021.
O Ibre também destaca que, embora o MEI ofereça benefícios previdenciários a uma taxa de contribuição baixa, menos de 40% dos registrados contribuem regularmente. “Isso sugere que será muito desafiador aumentar a taxa de contribuição para o nível que tornaria a previdência do MEI sustentável.”
Os pesquisadores Rogério Nagamine Costanzi e Otávio Guerci Sidone, no livro “Para Não Esquecer – Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil”, reforçam que o aumento do limite de renda e a diminuição da contribuição levam tanto a uma perda de foco quanto ao desequilíbrio previdenciário.
Ambos calcularam que, considerada a contribuição aferida em 2014 e a estimativa de despesa futura com aposentadorias por idade, o MEI geraria até 2060 um déficit acumulado de R$ 464,7 bilhões, considerando valores constantes para o salário mínimo.
“Apesar dos resultados alcançados, o desenho atual do MEI, com alíquota de contribuição previdenciária de 5%, além de não se mostrar custo efetivo em relação ao desenho inicial, introduziu também um risco à sustentabilidade do sistema previdenciário devido aos elevados subsídios embutidos”, diz o relatório do governo, de 2022.
O impacto na Previdência deve começar a aparecer mais claramente a partir de 2030, quando um maior número de inscritos no MEI começará a pedir aposentadoria, diz Veloso.
“O caminho parece ser um redesenho e um estudo sobre a viabilidade de aumentar a contribuição de 5%, conforme o próprio governo sugeriu no ano passado.” Para que o aumento não desestimule a adesão de profissionais de baixa renda, o governo pode, ainda, reforçar benefícios complementares para esse público, diz. (Douglas Gavras)
Fonte: Diário do Comércio